Resenha pautada sobre a ótica da Psicologia aos processos grupais, envolvendo aspectos
relativos à ética , à moral e à conduta do grupo de alunos que se intitularam
“A Onda” e os efeitos de uma ideologia
desviante na sociedade alemã.
Filme: “A Onda”
(Die Welle. Alemanha, 2008)
por, Simone Prado Ribeiro
O filme “A Onda”, de Dennis Gansel, se baseia no
livro homônimo de Todd Strasser. O personagem Rainer Wenger é um professor e
para dar aula no período de uma semana na escola sobre o tema Autocracia ele remonta,
a princípio, simbolicamente dentro da sala de aula, aspectos do regime
autocrático como poder, liderança, controle, disciplina, sentimentos de
onipotência, a uniformização do pensamento, da vestimenta e do comportamento; a
unanimidade em detrimento a individualidade, a identidade contrapondo a alteridade; tais elementos são
componentes que suscitam e motivam as massas para o surgimento de regimes totalitários,
ditatórias como os que ocorreram na Alemanha com a entrada de Adolf Hitler no
poder; Stálin, na antiga URSS , o qual centralizou na mão do Estado Soviético
os vários papéis políticos e de controle. Tais governos resultaram, por
exemplo, nas mãos de Hitler, numa Alemanha destruída moral, ética e
politicamente após alguns anos da Segunda Guerra Mundial devido a uma ideologia
torta cujo semblante e motivação eram a de se tornarem uma nação poderosa,
infalível, onipotente frente ao mundo global das nações. Percebemos com o
exemplo de tais regimes em comparação ao que se desdobra no filme que basta doar
um grão de poder a um líder com ideais absolutistas de domínio para isso se
tornar algo centralizador, unânime perante uma coletividade causando fascínio proporcionados por ideais
ultra-nacionalistas que levam a motivação, a grande comoção emocional e
orgânica por sentirmos incluídos em uma grande “família”.
Ao
analisarmos esses principais componentes do funcionamento do processo da
formação desse grupos e ações que levam a formação de de Estados totalitarista aqui então observados, comparando-os ao longa metragem, podemos citar, primeiramente,
os objetivos desse grupo de adolescente em que 90% estavam cientes e tinham
como alvo em comum: a unanimidade; tais objetivos claros foram aceitos por
quase todos do grupo ao longo das aulas ministradas por Wenger, a não ser pela
personagem Karol que recusa a entrar no grupo e ideologia, porém ela sofre
grandes consequências por sua não adesão e incompatibilidade ao grupo:
sentimentos de indiferença, hostilização causam-lhe grandes incômodos por não
fazer parte da irmandade do grupo o qual se tornou. Muito resistente,
permaneceu firme em sua postura na tentativa de mudar tais condutas dos seus
amigos de escola. Diferentemente de Karol, o personagem tímido, inseguro e
considerado “saco de pancadas” dos outros alunos do colégio,Tim, que, após
entrar no grupo A Onda, sentimento de
fortaleza e onipotência tomou conta de si ao ponto de escalar prédios públicos
para pichar e, mais tarde, comprar uma arma, achando-se acima da lei e da
ordem. E é o sentimento de onipotência que motivaram o grupo a unidade, a
coletividade, dispendendo grande energia psíquica, comportamental para que tais
objetivos e motivações fossem alcançados: de se mostrarem superiores acima de
tudo e sentirem o gosto de viver isso em seus atos inconsequentes para que
possam ser satisfeitas suas necessidades interpessoais.
Nesse
sentido, percebemos que o grupo A Onda
segue um modelo de formação de grupos semimecânico, como máquinas de interação,
pois eles são regidos e obedecem a princípios universais e fazem de tudo para
que sejam e permaneçam imutáveis as regras.
Se refletirmos sobre o filme e trazendo para a
nossa realidade brasileira de hoje,
podemos perceber que o Brasil há elementos mais que suficientes (
injustiça social, alto índice de violência, descrédito nas formas políticas e
sociais do Estado, alto índice de desemprego, falta de oportunidades, educação
precária, quebra financeira de vários estados da nação, aumento da criminalidade e
violência, corrupção elevada etc) que são passíveis de levarem a indução e
aceitação de propostas ideológicas tortas, mobilizadora das massas em direção daquele que
oferecer a ‘salvação’ mediante um sistema que proponha a ordem, a disciplina, o
trabalho, a ‘paz’. O interessante é observar no filme que o pequeno grupo, A Onda, surgiu justamente de dentro da
escola. O nazismo surgiu de um pequeno grupo com ideias semelhantes, levando
esse grupo a acreditar na sua ideologia autocrática ditada por alguém que nem
da terra originária era...
Pessoas que pensam
diferentes de certas culturas (Zamora, 2015), gostos, cor, suas demandas
políticas etc, sofreram- e sofrem-, tentativas de a todo tempo serem colocadas
por uma ideologia atravessada pelos preceitos do Higienismo numa posição
estanque, amorfa. E esse efeito de distanciamento do outro passa por
construções de ‘muros’ simbólicos no discurso, presentes nas crenças cada vez
mais fortes em valores morais e de identidade e visão de mundo tido como
‘certos’, e que choques de pensamentos e valores aos que pensam diferentes tornam
os outros invisíveis. Isso porque a identidade se contrapõe a alteridade, porque
esta é a identidade do outro (‘alter’).
Quando produzimos mais indiferença a relação com alteridade é posta em queda livre. Essa
indiferença seria uma espécie de defesa, pois que o outro evoca algo que não
queremos reconhecer ou admitir e, para tanto, projetamos no outro aquilo que
consideramos ruim, que nos causa estranhamento. Esses silenciamentos que
causamos em nós, mas que projetamos no semelhante, empobrece a sociedade, isso
tem como destino o que vemos em nosso século: a multidão de indivíduos
solitários, vivendo o seu mundo individualista em que não há acolhimento,
aumentando a pobreza e a miséria humana, refletindo no subjetivo de cada um.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
Vergne, Celso ; Vilhena, J. ; Zamora,
Maria Helena ; Rosa, C. M. A palavra é genocídio. Sobre as práticas excludentes no Brasil e o racismo. Psicologia e
Sociedade (Impresso), v. 27, p. 516-528, 2015.