Poiésis

domingo, agosto 12, 2018

Resenha do filme "A Onda" (Die Welle)

Resenha pautada sobre a ótica da Psicologia aos processos grupais, envolvendo aspectos relativos à ética , à moral e à conduta do grupo de alunos que se intitularam “A Onda” e  os efeitos de uma ideologia desviante na sociedade alemã.


Filme: “A Onda”
(Die Welle. Alemanha,  2008)
por, Simone Prado Ribeiro

O filme “A Onda”, de Dennis Gansel, se baseia no livro homônimo de Todd Strasser. O personagem Rainer Wenger é um professor e para dar aula no período de uma semana na escola sobre o tema Autocracia ele remonta, a princípio, simbolicamente dentro da sala de aula, aspectos do regime autocrático como poder, liderança, controle, disciplina, sentimentos de onipotência, a uniformização do pensamento, da vestimenta e do comportamento; a unanimidade em detrimento a individualidade, a identidade  contrapondo a alteridade; tais elementos são componentes que suscitam e motivam as massas para o surgimento de regimes totalitários, ditatórias como os que ocorreram na Alemanha com a entrada de Adolf Hitler no poder; Stálin, na antiga URSS , o qual centralizou na mão do Estado Soviético os vários papéis políticos e de controle. Tais governos resultaram, por exemplo, nas mãos de Hitler, numa Alemanha destruída moral, ética e politicamente após alguns anos da Segunda Guerra Mundial devido a uma ideologia torta cujo semblante e motivação eram a de se tornarem uma nação poderosa, infalível, onipotente frente ao mundo global das nações. Percebemos com o exemplo de tais regimes em comparação ao que se desdobra no filme que basta doar um grão de poder a um líder com ideais absolutistas de domínio para isso se tornar algo centralizador, unânime perante uma coletividade causando  fascínio proporcionados por ideais ultra-nacionalistas que levam a motivação, a grande comoção emocional e orgânica por sentirmos incluídos em uma grande “família”.

Ao analisarmos esses principais componentes do funcionamento do processo da formação desse grupos e ações que levam a formação de de Estados totalitarista  aqui então observados, comparando-os ao longa metragem, podemos citar, primeiramente, os objetivos desse grupo de adolescente em que 90% estavam cientes e tinham como alvo em comum: a unanimidade; tais objetivos claros foram aceitos por quase todos do grupo ao longo das aulas ministradas por Wenger, a não ser pela personagem Karol que recusa a entrar no grupo e ideologia, porém ela sofre grandes consequências por sua não adesão e incompatibilidade ao grupo: sentimentos de indiferença, hostilização causam-lhe grandes incômodos por não fazer parte da irmandade do grupo o qual se tornou. Muito resistente, permaneceu firme em sua postura na tentativa de mudar tais condutas dos seus amigos de escola. Diferentemente de Karol, o personagem tímido, inseguro e considerado “saco de pancadas” dos outros alunos do colégio,Tim, que, após entrar no grupo A Onda, sentimento de fortaleza e onipotência tomou conta de si ao ponto de escalar prédios públicos para pichar e, mais tarde, comprar uma arma, achando-se acima da lei e da ordem. E é o sentimento de onipotência que motivaram o grupo a unidade, a coletividade, dispendendo grande energia psíquica, comportamental para que tais objetivos e motivações fossem alcançados: de se mostrarem superiores acima de tudo e sentirem o gosto de viver isso em seus atos inconsequentes para que possam ser satisfeitas suas necessidades interpessoais.

Nesse sentido, percebemos que o grupo A Onda segue um modelo de formação de grupos semimecânico, como máquinas de interação, pois eles são regidos e obedecem a princípios universais e fazem de tudo para que sejam e permaneçam imutáveis as regras.
Se refletirmos sobre o filme e trazendo para a nossa realidade brasileira de hoje,  podemos perceber que o Brasil há elementos mais que suficientes ( injustiça social, alto índice de violência, descrédito nas formas políticas e sociais do Estado, alto índice de desemprego, falta de oportunidades, educação precária, quebra financeira de vários estados da nação, aumento da criminalidade e violência, corrupção elevada etc) que são passíveis de levarem a indução e aceitação de propostas ideológicas tortas,  mobilizadora das massas em direção daquele que oferecer a ‘salvação’ mediante um sistema que proponha a ordem, a disciplina, o trabalho, a ‘paz’. O interessante é observar no filme que o pequeno grupo, A Onda, surgiu justamente de dentro da escola. O nazismo surgiu de um pequeno grupo com ideias semelhantes, levando esse grupo a acreditar na sua ideologia autocrática ditada por alguém que nem da terra originária era...

 Pessoas que pensam diferentes de certas culturas (Zamora, 2015), gostos, cor, suas demandas políticas etc, sofreram- e sofrem-, tentativas de a todo tempo serem colocadas por uma  ideologia atravessada pelos preceitos do Higienismo numa posição estanque, amorfa. E esse efeito de distanciamento do outro passa por construções de ‘muros’ simbólicos no discurso, presentes nas crenças cada vez mais fortes em valores morais e de identidade e visão de mundo tido como ‘certos’, e que choques de pensamentos e valores aos que pensam diferentes tornam os outros invisíveis. Isso porque a identidade se contrapõe a alteridade, porque esta é a identidade do outro (‘alter’).

Quando produzimos mais indiferença a relação com  alteridade é posta em queda livre. Essa indiferença seria uma espécie de defesa, pois que o outro evoca algo que não queremos reconhecer ou admitir e, para tanto, projetamos no outro aquilo que consideramos ruim, que nos causa estranhamento. Esses silenciamentos que causamos em nós, mas que projetamos no semelhante, empobrece a sociedade, isso tem como destino o que vemos em nosso século: a multidão de indivíduos solitários, vivendo o seu mundo individualista em que não há acolhimento, aumentando a pobreza e a miséria humana, refletindo no subjetivo de cada um.


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Vergne, Celso ; Vilhena, J. ; Zamora, Maria Helena ; Rosa, C. M. A palavra é genocídio. Sobre as práticas excludentes no Brasil e o racismo. Psicologia e Sociedade (Impresso), v. 27, p. 516-528, 2015.